Depressão não é tristeza. É uma doença que precisa de tratamento. Cerca de 18% das pessoas vão apresentar depressão em algum período da vida. Quando o quadro se instala, se não for tratado convenientemente, costuma levar vários meses para desaparecer. Depressão é também uma doença recorrente. Quem já teve um episódio na vida, apresenta cerca de 50% de possibilidades de manifestar outro; quem teve dois, 70% e, no caso de três quadros bem caracterizados, esse número pode chegar a 90%. A depressão é uma patologia que atinge os mediadores bioquímicos envolvidos na condução dos estímulos através dos neurônios, que possuem prolongamentos que não se tocam. Entre um e outro, há um espaço livre chamado sinapse, absolutamente fundamental para a troca de substâncias químicas, íons e correntes elétricas. Essas substâncias trocadas na transmissão do impulso entre os neurônios, os neurotransmissores, vão modular a passagem do estímulo representado por sinais elétricos. Na depressão, há um comprometimento dos neurotransmissores responsáveis pelo funcionamento normal do cérebro.
DIFERENÇA ENTRE TRISTEZA E DEPRESSÃO
Drauzio – Vamos começar pela pergunta clássica: qual a diferença entre tristeza e depressão?
Ricardo Moreno – Tristeza é um fenômeno normal que faz parte da vida psicológica de todos nós. Depressão é um estado patológico. Existem diferenças bem demarcadas entre uma e outra. A tristeza tem duração limitada, enquanto a depressão costuma afetar a pessoa por mais de 15 dias. Podemos estar tristes porque alguma coisa negativa aconteceu em nossas vidas, mas isso não nos impede de reagir com alegria se algum estímulo agradável surgir. Além disso, a depressão provoca sintomas como desânimo e falta de interesse por qualquer atividade. É um transtorno que pode vir acompanhado ou não do sentimento de tristeza e prejudica o funcionamento psicológico, social e de trabalho.
SINTOMATOLOGIA DA DEPRESSÃO
Drauzio – Muitas pessoas portadoras de depressão não reconhecem os sintomas da doença. Que dicas dar aos familiares para ajudá-los a identificar o comportamento de um deprimido?
Ricardo Moreno – Em geral, o indivíduo com depressão reconhece que está sendo afetado por algo novo, diferente das outras experiências de tristeza que teve na vida. A família pode identificar o comportamento do deprimido pela mudança de atitudes, porque ele deixa de ser o que era, deixa de sentir alegria, apresenta queda de desempenho e passa a agir de forma diferente da habitual.
Drauzio – Exatamente por estarem deprimidos, a maioria leva bastante tempo para procurar ajuda, não é?
Ricardo Moreno – Infelizmente, isso acontece. Muitas vezes, os indivíduos custam a identificar como anormal o que estão sentindo. É comum atribuírem a depressão a um mau momento da vida ou a relacionam com um obstáculo que poderá ser transposto sem dar-se conta de que foram acometidos por uma doença que tem tratamento capaz de melhorar sua qualidade de vida.
Drauzio – Quais são os sintomas mais característicos de um quadro depressivo?
Ricardo Moreno – São muitos os sintomas da depressão. Talvez o mais evidente seja o humor depressivo, que se caracteriza por tristeza e melancolia, acompanhado por falta de ânimo e de disposição, incapacidade de sentir prazer em atividades habitualmente agradáveis, alterações do sono e do apetite, pensamentos negativos, desesperança, desamparo.
Drauzio –Um de meus pacientes dizia que apesar de estar tudo bem na vida, não conseguia olhar para nenhum lado sem ver os aspectos negativos e que esses assumiam importância muito maior do que os positivos.
Ricardo Moreno – De fato, essa doença provoca uma distorção na visão de mundo e de si mesmo. Lembro-me bem de um paciente que dizia existir uma nuvem cinzenta a seu redor que o impedia de olhar o espectro das cores. Achei uma definição interessante que bem traduz o sentimento depressivo.
COMPORTAMENTO FAMILIAR PARADOXAL
Drauzio –Existe uma contradição que se estabelece nesses quadros. A família vê a pessoa nesse estado e quer que reaja, mas ela não consegue e os familiares se voltam contra o deprimido. Isso é regra?
Ricardo Moreno – Essa é uma armadilha em que caem as famílias e o deprimido porque, esgotadas todas as tentativas para estimulá-lo, surge a raiva: “Ele não reage; eu tento, mas ele não quer melhorar”. Tal comportamento reforça a desesperança e a baixa autoestima próprias do indivíduo com depressão. Por isso, é importante esclarecer familiares e paciente que essa incapacidade de reação é uma das características da doença e ajuda a diferenciar o estado patológico do normal. Quando estamos tristes, somos capazes de reagir aos estímulos de prazer. O deprimido dificilmente o consegue. A depressão tira-lhe as forças. Ele não tem como lutar contra ela.
DOENÇA PREVALENTE NAS MULHERES
Drauzio – Por que as mulheres têm mais depressão do que os homens?
Ricardo Moreno –O sexo feminino passa por vários processos hormonais durante a vida: o início dos ciclos menstruais, a gravidez, o parto e, por último, a menopausa. Tudo isso implica alterações na produção dos hormônios sexuais femininos e torna a mulher mais vulnerável. Tanto é assim que no período da gravidez, do parto e da perimenopausa, a depressão ocorre com maior frequência. Após a menopausa, a relação da incidência entre homem e mulher tende a igualar-se, pois nessa fase cessam essas flutuações hormonais femininas.
DEPRESSÃO PÓS-PARTO
Drauzio – Fale um pouco da depressão ligada ao parto, especialmente desses quadros graves que se estabelecem no pós-parto quando mulheres chegam a matar seus próprios filhos?
RicardoMoreno – Existem duas posições no pós-parto. A primeira é um estado leve de melancolia que dura de cinco a sete dias e não traz grandes consequências nem para as mães nem para as crianças. A outra é a depressão pós-parto propriamente dita, um manifestação mais grave, porque compromete a mulher e sua visão de mundo e favorece o risco de um infanticídio. É um caso tão sério que o código penal não o reconhece como crime, pois considera que a mulher perdeu a crítica e o ajuizamento da realidade.
DEPRESSÃO NA MENOPAUSA
Drauzio – Na passagem da menopausa, muitas mulheres se queixam de que de repente caem numa tristeza incontrolável e apresentam forte labilidade emocional. Por que isso acontece?
Ricardo Moreno – A menopausa também é um período de risco de depressão para as mulheres. É um fenômeno relacionado com a perda da capacidade reprodutiva e com as mudanças hormonais do sexo feminino.
DEPRESSÃO NOS HOMENS
Ricardo Moreno – Nos homens, a depressão é mais frequente nos adultos jovens, isto é, no final da adolescência e início da vida adulta. Pode-se dizer que o pico da incidência da doença ocorre dos 18 aos 30, 40 anos, justamente na fase mais produtiva do indivíduo.
DEPRESSÃO NA VELHICE
Drauzio – E na velhice, também ocorrem casos de depressão?
Ricardo Moreno – A depressão pode ocorrer em qualquer ciclo da vida: na infância, adolescência, na vida adulta e na velhice. A infância é a fase de diagnóstico mais difícil. Muitos casos passam despercebidos, pois os sintomas são atribuídos a características de personalidade da criança. Na velhice, acontece algo semelhante. Muitas vezes, atribui-se a queda de energia e disposição ao peso da idade. “Ele está velho, já fez o que tinha de fazer” é a explicação que se dá, ignorando os sintomas da depressão e a possibilidade de mudar sensivelmente a condição de vida do velho porque existe tratamento para essa doença.
MUDANÇAS NO PARADIGMA DO TRATAMENTO
Drauzio – No passado, depressão era tratada com aconselhamento e psicoterapia. Hoje, depressão é tratada mais agressivamente. O que mudou no conhecimento da fisiologia da depressão que permitiu essa transformação no tratamento?
Ricardo Moreno – No cérebro existem células nervosas, os neurônios, e substâncias químicas que estabelecem a comunicação entre elas, os neurotransmissores. Em condições normais, a quantidade dessas substâncias é suficiente, mas ela cai consideravelmente durante a crise de depressão. Os medicamentos antidepressivos aumentam a oferta de neurotransmissores e promovem a volta ao estado normal do paciente. O tratamento da depressão mudou muito com a descoberta desses medicamentos que provocam algumas modificações químicas no cérebro pela oferta de substâncias mediadoras que estabelecem a comunicação entre uma célula nervosa e outra durante o processo de transmissão dos sinais. No deprimido, os níveis dos neurotransmissores são baixos. Os antidepressivos bloqueiam o mecanismo de recaptura (impedem que os neurotransmissores retornem à célula de origem) o que aumenta a quantidade dessas substâncias nesse espaço virtual entre os neurônios.
Ricardo Moreno é médico psiquiatra e professor do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.
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