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23/10/2012

Eletrochoque


UM RELATO!

Eletrochoques, tratamento médico e estrito cumprimento do dever legal

“O engenheiro civil Lúcio Pedrosa, 49, diagnosticado com transtorno bipolar, passou por 33 sessões de eletrochoque na tentativa de resolver o seu problema.

Saiu do tratamento sem obter nenhuma melhora e com importantes falhas de memória, que persistem desde o fim das sessões, em outubro do ano passado.

Além da memória recente, Lúcio perdeu a lembrança de fatos importantes de sua história de vida. Com a ajuda da família para lembrá-lo, ele conta o que passou com a terapia.

‘Tive um surto psicótico em 1998. Essa é uma das coisas da minha vida de que me lembro bem. Tinha alucinações e fobia. Medo.

Antes disso, nunca tinha acontecido nada, nenhum sinal. Sou engenheiro civil, mas trabalhava como sócio-proprietário em uma transportadora. Era vida normal até o surto. Larguei o trabalho para a internação e o tratamento, não voltei mais (…)

O último diagnóstico foi de transtorno bipolar. O médico começou a mudar os remédios, mas chegou a um ponto que eu achei que ia surtar. Foi então que me disseram para fazer o eletrochoque (…)

Os médicos não me explicaram como seria. Parece que disseram para mim que, se não melhorasse, não ia piorar. Isso eu não me lembro, foi o Querley, o motorista da empresa, que se tornou meu amigo e me levava para as sessões, que me disse.

Passei praticamente o ano passado inteiro fazendo ECT [eletroconvulsoterapia]. Primeiro, foram oito sessões, sem resultado. Sugeriram continuar. Fiz mais de 30.

Quando você vai para a sessão, o ambiente é muito sombrio. Me sentia um boi no matadouro, mas continuava, meio no embalo. Via tanta gente fazendo, devia ter alguma coisa de bom.

O ambiente era tenso, ninguém conversava. Vem a enfermeira, pega a veia da gente, põe na maca, a médica aplica o anestésico. Quando você já está anestesiado, dá o choque, tira a maca do quarto e chama outro.

O pior de tudo é a volta, a sensação de vazio. Eu me sentia sem chão, tinha vontade de voltar a ser eu, mas estava ali inerte, entregue.

O que me contam, porque dessa parte eu não me lembro, é que, nas primeiras sessões, eu saía bem fisicamente. Mas o meu quadro não estava melhorando, continuava na mesma: irritabilidade, angústia, mania, depressão.

Quando eu estava na segunda série de eletrochoques, falei que estava me sentindo pior, mas os médicos diziam: ‘Vamos tentar, que às vezes melhora’.

As últimas sessões foram as piores. Era dia sim, dia não. (...)
Pedi para parar [o tratamento] porque não estava suportando mais. Os médicos concordaram. Também mudei de médico. Ele está fazendo um ajuste nas doses dos remédios que tomo.
Mas só perdi a memória depois do eletrochoque. Os médicos dizem que você só perde a memória recente, mas comigo não é assim’”.

Já falamos de dois tipos de excludentes de ilicitude aqui: a legítima defesa e o estado de necessidade. Hoje vamos falar de um terceiro tipo: do exercício regular do direito (há um quarto, chamado estrito cumprimento do dever legal, que veremos no futuro). 

Se alguém resolver aplicar eletrochoque em você, você chamaria isso de lesão corporal ou mesmo tortura, e faria tudo a seu alcance para que ele fosse julgado e condenado, certo? Ainda mais se, como consequência daquela ação você sofresse lesões em sua memória.

Então por que a pessoa da matéria acima não está fazendo o mesmo com o médico?

Porque o médico, ainda que estivesse ferindo sua integridade física, estava agindo legalmente no que a lei chama de exercício regular do direito, que, como o nome diz, é quando a pessoa faz algo que, fosse a circunstância diferente, seria considerado um delito. Ou seja, as circunstâncias fazem com que a ação da pessoa – no caso, do médico – seja regular.

Reparem que na matéria acima os médicos consultam o paciente e o paciente autoriza o procedimento. O consentimento do paciente era essencial, pois ele estava no exercício de suas faculdades mentais. E foi justamente por isso que os médicos pararam quando o paciente disse que não estava suportando mais e que desejava parar. Se eles houvessem continuado o tratamento contra a sua vontade, os eletrochoques passariam a ser caracterizados como lesão corporal.

Às vezes, contudo, a pessoa não está consciente ou, mesmo consciente, não está totalmente lúcida (por exemplo, está no meio de um surto, é louca ou está em inconsciente). Nesses casos, a família ou quem quer que seja responsável pela pessoa pode tomar a decisão em seu lugar. É o que acontece, por exemplo, quando a vítima de um acidente está em coma e a família tem de autorizar a amputação de uma perna ou a remoção de um órgão. Óbvio que, fosse isso feito em outras circunstâncias, seria considerado uma lesão corporal gravíssima, mas porque a família autorizou e porque era necessário, o médico pode agir sem medo de ser processado criminalmente mais tarde.

E se não há família ou responsável pela pessoa, se não é possível localiza-los, ou se não há tempo para consultá-los (no caso de uma emergência, por exemplo). Nesse caso o médico, desde que aja como um outro bom médico agiria e de acordo com os padrões éticos e técnicos da profissão, estará agindo corretamente, ou seja, estará exercendo seu direito regularmente, e não poderá ser processado mais tarde.


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