Cuidar da saúde com amor e alegria!

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15/09/2013

Correção das Deformidades Congênitas


A preocupação maior dos casais à espera de um filho é que nasça perfeito. Se, por acaso, a criança apresenta alguma deformidade congênita, a notícia estoura como uma bomba na família. Num primeiro momento, os pais temem pelo futuro da criança. Será capaz de vencer as dificuldades e preconceitos que cercam as pessoas com características especiais? Conseguirá crescer saudável e forte o suficiente para suportar o tratamento prolongado que, muitas vezes, essas incorreções exigem?


Entre as deformidades congênitas mais frequentes e que mais chamam a atenção destacam-se a fissura labial (lábio leporino) e a fenda palatina, conhecida popularmente como goela de lobo. No passado, esses tipos de malformação só começavam a ser corrigidos alguns meses depois do nascimento. Atualmente, graças ao avanço do ultrassom, alguns diagnósticos são feitos ainda dentro do útero materno e, assim que a criança nasce, tem início o processo de correção do defeito.


Menos impactantes, porém não menos traumáticos para os portadores de más formações, são as orelhas de abano e o desenvolvimento anormal das mamas em adolescentes dos dois sexos. Nos meninos, a ginecomastia pode ser causada por alterações no tecido glandular mamário, acúmulo de gordura, uso de anabolizantes, de álcool e de hormônio feminino.

*Fissura Labiopalatina*


Drauzio  Quais são as principais características da fissura labiopalatina?

Sergio Gonçalves de Almeida – Esse defeito congênito tem intensidade e variações muito expressivas: vai desde pequenas fendas que atingem o lábio superior parcial ou totalmente, até fendas que tomam todo o palato. Quanto mais complexa for a deformidade, mais longo será o tratamento, que requer abordagem multidisciplinar, isto é, a participação de especialistas nas áreas da cirurgia plástica, da odontologia e da fala, por exemplo.

Drauzio – Qual é a conduta terapêutica escolhida nesses casos?

Sergio Gonçalves de Almeida – Atualmente, a indicação é que a fissura labial seja corrigida nas primeiras 24h a 72h de vida. Assim que a criança nasce, portanto, o neonatologista avalia se está em condições clínicas adequadas para a cirurgia, que será realizada tão logo os pais concordem com essa proposta para a solução imediata do problema.

Drauzio – Os pais costumam aceitar que a criança tão pequenininha assim passe por cirurgia para corrigir o lábio leporino?

Sergio Gonçalves de Almeida – Aceitam muito bem. Aliás, com a evolução da ultrassonografia, é frequente a mãe procurar orientação antes do nascimento da criança, porque o diagnóstico da fissura foi feito durante a gestação. Nesses casos, procura-se tranquilizar o casal, fornecendo informações sobre a melhor conduta a adotar e as possibilidades de tratamento.

Drauzio – Essa é uma mudança importante no paradigma do tratamento. Não faz muito tempo, a fissura labial só era corrigida bem mais tarde. 

Sergio Gonçalves de Almeida – Antigamente, as crianças ficavam com o lábio aberto até os três meses, às vezes, até mais tarde. Não foi essa, porém, a única mudança. Hoje, o enfoque é muito mais amplo, pois a fissura labial quase sempre está associada a outra deformidade que, na maioria das vezes, provoca o desabamento da asa do nariz, por falta de apoio do músculo que está solto daquele lado. Por isso, o objetivo da cirurgia nessa fase é, ao mesmo tempo, reconstituir o lábio superior e reposicionar o nariz.

A intervenção nasal tem de ser feita com extremo cuidado, porque as estruturas são muito delicadas. A cartilagem é fina como uma folha de papel. No entanto, basta posicioná-la corretamente para que o nariz se desenvolva dentro dos padrões da normalidade. A correção estética é tão importante quanto o tratamento precoce do lábio leporino e baseia-se em estudos estabelecidos há mais de 25 anos. Infelizmente, essa conduta não é utilizada por todos os especialistas.

Drauzio – Muitos adultos que foram operados há 20, 30 anos para corrigir o lábio leporino apresentam algumas sequelas facilmente reconhecíveis, como a posição inadequada do lábio e do nariz e a voz fanhosa. Qual o resultado estético das cirurgias para corrigir as fendas labiais realizadas atualmente? 

Sergio Gonçalves de Almeida – Às vezes, a impossibilidade de realizar o contorno do lábio com perfeição absoluta durante a cirurgia pode ser responsável por alguma deformidade nessa região. Atualmente, entretanto, espera-se que o primeiro atendimento corrija mais de 90% das alterações. Pequenos defeitos que ainda persistam serão corrigidos mais tarde, mas sempre antes dos quatro, cinco anos e não aos sete como se preconizava no passado.

Por que aos quatro, cinco anos? Porque as crianças estão indo para escola cada vez mais cedo e a deformidade representa um peso muito grande para elas e para suas famílias no momento em que ampliam o leque social. Esse é, sem dúvida, um fator importante que pesa a favor de que o problema ser resolvido o mais depressa possível.

Na verdade, o fechamento da fissura labial logo depois do nascimento privilegia não só a parte estética. Privilegia também a função, pois garante o posicionamento correto de outras estruturas para que se desenvolvam dentro da faixa de normalidade. Ou seja, ajuda a acomodar o maxilar e favorece a força pênsil que modela a arcada.

Nos casos de fissura palatina, é por volta de um ano que a criança inicia a reconstituição cirúrgica do céu da boca. O fechamento completo da fenda vai assegurar a integridade do arcabouço e a funcionalidade da musculatura de oclusão, evitando, assim, a deficiência de respiração e a voz anasalada.

Drauzio – Nas crianças que nascem com fissura labial e o céu da boca completamente aberto, a primeira medida é fechar o lábio e acertar a posição do nariz. Só depois que completam um ano, podem ser realizadas as cirurgias para reconstituir o palato. Nesse período, o palato permanece aberto?

Sergio Gonçalves de Almeida – Exatamente. A preocupação imediata é com o lábio e o nariz. Só com um ano de idade, a criança pode passar por uma cirurgia para fechar a parte anterior do palato e, com um ano e meio, por outra para completar a oclusão. Até esse momento, fica com o céu da boca aberto, mas sob os cuidados e orientação do ortodontista. O objetivo do tratamento ortodôntico é manter a forma do maxilar e obter oclusão e mordida perfeitas, de tal sorte que a criança não sofra os inconvenientes provocados pela falha óssea.

Drauzio – Por que é preciso esperar que a criança complete um ano de idade?

Sergio Gonçalves de Almeida – Porque a cirurgia do palato envolve o descolamento de uma estrutura óssea chamada periósteo. A intervenção prematura pode retardar o desenvolvimento ósseo. Por isso, a estratégia é fazer a cirurgia nem cedo demais para não afetar o crescimento do osso, nem tarde demais para não prejudicar a fala.

O ideal é que a estrutura esteja totalmente reconstituída quando a criança começar a aprender a falar.

Drauzio – Por que o palato precisa ser fechado em dois tempos?

Sergio Gonçalves de Almeida – A correção do lábio leporino e da estrutura palatina admite condutas muito variadas. Às vezes, as mães que me procuram se mostram confusas diante dos diferentes enfoques terapêuticos, e eu lhes digo que escolham um e mantenham-se fieis a ele. Até hoje não se estabeleceu uma conduta homogênea de tratamento, que é muito complexo e envolve diversas especialidades.

Nossa proposta é agir em duas etapas: primeiro fechando o palato ósseo anterior, que frequentemente está encurtado, a fim de alongá-lo; depois, quando está reconstituído, fechamos a parte de trás. Essa técnica tem-se mostrado eficaz para evitar a voz fanhosa.

Drauzio – O seguimento das crianças operadas segundo o que preconizam as técnicas terapêuticas modernas mostra que a voz fica normal, sem sinais de nasalidade? 

Sergio Gonçalves de Almeida – Um número expressivo dessas crianças fica com voz absolutamente normal. Segundo o relato dos fonopediatras, aquelas que fizeram o alongamento do palato respondem mais depressa ao tratamento e apresentam um desenvolvimento melhor da fala.

Drauzio – Essas crianças estão sendo operadas cada vez mais cedo. Para onde você acha que caminha o tratamento cirúrgico das fissuras labiais e palatinas?

Sergio Gonçalves de Almeida – Já existem estudos a respeito de operar a criança antes do nascimento, mas não faz sentido expô-la aos riscos inerentes à cirurgia intrauterina para corrigir uma deformidade passível de correção posterior e que não representa ameaça nenhuma à vida nessa fase.

Apesar de a intervenção intrauterina ter algumas vantagens – por exemplo, as cicatrizes da pele praticamente desaparecem -, nada compensa o risco desnecessário a que se expõe a criança nessa fase.

Drauzio – Qual é a incidência das fissuras labiais e palatinas nos recém-nascidos. São casos raros?

Sergio Gonçalves de Almeida – Não são tão raros assim. A incidência está relacionada com os grupos étnicos. Ela é maior na etnia amarela, depois na branca e, por último, na negra. Às vezes, podemos ter a impressão de que a ocorrência de lábio leporino e de fenda palatina está aumentando. Não está. O que cresceu foi o número de diagnósticos e a taxa de sobrevida dessas crianças.

Drauzio – Quando começaram a fazer cirurgias para corrigir essas deformidades congênitas?

Sergio Gonçalves de Almeida – Existem relatos de que eram dados pontos para fechar a fenda labial e palatina nas crianças da Grécia Antiga. O fato é que essa deformidade sempre assustou e preocupou muito as populações desde as mais remotas eras.

Drauzio – Há possibilidade de correção dessas deformidades com resultados estéticos muito bons e fonação normal?

Sergio Gonçalves de Almeida – Estamos caminhando cada vez mais na direção de obter melhores resultados, tanto do ponto de vista morfológico, quanto do ponto de vista da função. Quando digo função, estou me referindo também à parte dentária, porque a falha óssea pode acarretar problemas odontológicos muito sérios. Na verdade, o tratamento ortodôntico é o mais longo. Começa no recém-nascido e termina com a consolidação total dos ossos da face, aos dezessete, dezoito anos.

Drauzio – O tratamento da fonação também é demorado?

Sergio Gonçalves de Almeida – A cirurgia que promove o alongamento do palato tem ajudado muito a abreviar o tempo para o desenvolvimento de uma fala de boa qualidade.

*Manchas na Pele*


"nevo melanocítico congênito gigante"

Drauzio – Que outros problemas congênitos podem valer-se das cirurgias plásticas reparadoras?

Sergio Gonçalves de Almeida – Na fase inicial da vida, são as manchas escuras (nevos) ou avermelhadas (hemangiomas) de pele, que são muito estigmatizantes. O ideal é corrigi-las precocemente, até os dois ou três anos pelo menos, isto é, antes de a criança ser matriculada na escola, o que está ocorrendo cada vez mais cedo, como já disse.

Drauzio – Quais são os recursos para corrigir os nevos gigantes?

Sergio Gonçalves de Almeida – Os japoneses desenvolveram uma técnica cirúrgica semelhante à retirada de enxerto de pele para eliminar nevos grandes de recém-nascidos. Ou seja, eles retiram uma camada de pele da mancha para bloquear seu desenvolvimento. O resultado é que a lesão fica mais clara e perde o aspecto piloso e mais pigmentado.

Drauzio – E a cicatrização, como fica? Eles não estão trocando a mancha por uma cicatriz?

Sergio Gonçalves de Almeida – Eles retiram a camada mais superficial da pele e deixam cicatrizar naturalmente, como se fosse uma queimadura de segundo grau.

Drauzio – Vocês adotam essa técnica no Brasil?

Sergio Gonçalves de Almeida – Não. Nós preconizamos o atendimento precoce, mas a retirada da lesão é feita em etapas. Retira-se, por exemplo, 50%, 60% da mancha e depois de um ano o que dela restou. Dessa forma, conseguimos deixar a cicatriz o menor possível e evitamos a colocação de um enxerto, o que produziria um efeito estético bastante desagradável.

Drauzio – É importante que essas manchas sejam tratadas na infância porque, além do problema estético, algumas podem evoluir mal.

Sergio Gonçalves de Almeida – A maioria das manchas não evolui mal. A correção na infância está mais focada no aspecto estético do que em prevenir alterações neoplásicas. Na verdade, já tratamos de crianças com três, quatro anos que não aguentaram a pressão dos coleguinhas e disseram categoricamente aos pais: “Não vou mais à escola, enquanto tiver essa mancha no rosto”.

"Antes e depois da cirurgia"

*Orelhas de Abano*

Drauzio – Quando eu era pequeno, era comum encontrar crianças com orelhas de abano. Talvez chamassem mais atenção nos meninos por causa dos cabelos curtos, e eles eram alvo de brincadeiras de muito mau gosto. Hoje, parece que esses casos são mais raros. Isso realmente está acontecendo?

Sergio Gonçalves de Almeida – É provável que a diferença esteja na disponibilidade de tratamento precoce, uma vez que atualmente a criança pode ter o problema corrigido a partir dos cinco, seis anos. Nessa idade, a orelha já atingiu 80% do tamanho que terá na vida adulta e está com a estrutura suficientemente desenvolvida e os relevos formados. Tais pré-requisitos são indispensáveis porque, o abano não se caracteriza apenas pelo afastamento das orelhas. Caracteriza-se também pela má formação dos relevos e das depressões auriculares.

Drauzio – Em linhas gerais, como é feita a cirurgia?

Sergio Gonçalves de Almeida – A cirurgia (otoplastia) praticamente não deixa cicatrizes. A incisão, feita atrás da orelha no local em que ela se une à cabeça, permite o acesso à cartilagem que é moldada, seguindo a forma dos relevos e depressões peculiares da orelha normal. Isso feito, o passo seguinte é reposicioná-la e fixá-la no osso mastóide com pontos.

É uma cirurgia de detalhes, mas não é uma cirurgia de risco. Durante uma semana, a pessoa permanece com uma faixa de proteção em volta das orelhas, o que ajuda a mantê-las na posição adequada e a evitar o inchaço. Retirado o curativo, o problema estará resolvido para sempre sem deixar sinais visíveis, uma vez que a sutura é feita na região posterior da orelha.

A única ressalva que faço nesses casos é que a correção seja realizada nas férias escolares. Assim, quando as aulas recomeçam, as orelhas de abano terão desaparecido e os companheiros, interessados em contar as novidades e rever os amigos, se esquecem de que um dia elas existiram e dos apelidos depreciativos e humilhantes que suscitaram.

Drauzio – É sempre bom lembrar que as crianças, às vezes, são muito cruéis umas com as outras.

Sergio Gonçalves de Almeida – Sem dúvida. A repercussão da cirurgia de correção das orelhas de abano na vida das crianças é extraordinária. Passado algum tempo, as mães relatam a transformação por que passaram os filhos. Estão mais soltos, mais felizes. Mesmo aqueles que nunca tinham se queixado, demonstram ter-se libertado da carga pesada que eram obrigados a suportar no dia a dia.
Sergio Gonçalves de Almeida é cirurgião plástico, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

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