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04/09/2014

A morte de um herói expõe o atraso da resposta ao ebola


Sheik Humarr Khan era médico e único especialista em febres hemorrágicas na Serra Leoa. A sua morte foi mais um golpe num país cujo sistema de saúde está a ficar devastado pelo pior surto de ébola. Quem restará para a próxima crise de saúde pública?

Quando dois missionários norte-americanos recuperaram do vírus do ébola, depois de serem tratados com um medicamento experimental, a família em luto do médico mais famoso da Serra Leoa, que não sobreviveu a esta doença, perguntou-se por que é que este tratamento tinha sido negado a Sheik Humarr Khan.

Este médico era um herói na Serra Leoa por liderar a luta contra o pior surto de sempre desta febre hemorrágica altamente contagiosa, que já matou 1552 pessoas, a maioria na Serra Leoa, na Libéria e na Guiné-Conacri, na África Ocidental.

No final de Julho, Khan ficou doente com ébola e foi rapidamente transportado para a unidade de tratamento dos Médicos Sem Fronteiras no Norte da Serra Leoa. Lá, os médicos discutiram se deveriam dar-lhe o ZMapp, um medicamento apenas testado em animais de laboratório, que nunca tinha sido usado em humanos.

Os médicos tiveram dificuldade em decidir o que fazer devido, por um lado, à questão ética de favorecer uma pessoa em relação a centenas de outras que também estavam doentes e, por outro lado, devido ao risco de haver repercussões se a morte de um herói nacional fosse relacionada com a administração de um tratamento experimental. No final, decidiram não usar o ZMapp. 

A 29 de Julho, a Serra Leoa ficou de luto com a morte de Sheik Humarr Khan.

Uns dias mais tarde, o ZMapp, produzido na Califórnia, foi administrado a Kent Brantly e Nancy Writebol, dois missionários norte-americanos que contraíram o ébola na Libéria e foram depois transportados para um hospital, em Atlanta, nos Estados Unidos. Não se sabe se o ZMapp teve algum papel na sua recuperação, mas os dois saíram do hospital há cerca de duas semanas.

Sheik Humarr Khan foi um dos mais de 100 trabalhadores de saúde africanos que pagaram o derradeiro preço ao lutarem contra o ébola, numa epidemia que tem sobrecarregado os sistemas de saúde daqueles países e que, dizem muitos, poderia ter sido contida se o mundo tivesse agido de forma mais rápida.

Um cartaz de aviso ao ebola, junto de um hospital em Freetown, capital da Serra Leoa
CARL DE SOUZA/AFP (ARQUIVO)
Em Mahera, uma aldeia no Norte da Serra Leoa, os pais e os irmãos do médico questionam-se por que é que ele não recebeu o tratamento. O médico salvou centenas de vidas durante uma década a lutar contra a febre de Lassa – uma doença semelhante ao ébola – na sua clínica em Kenema, uma cidade no Sudeste da Serra Leoa com 130.000 pessoas onde há comércio de diamantes. O médico era o único especialista do país em febres hemorrágicas.

“Se o tratamento era suficientemente bom para os norte-americanos, devia ter sido suficientemente bom para o meu irmão”, disse Ray Khan, o irmão mais velho, enquanto se senta no alpendre da casa da família. “Não é lógico que não tenha sido usado. Ele não tinha nada a perder se o tratamento não tivesse funcionado.”

Os médicos que conheciam Sheik Humarr Khan e que estavam envolvidos naquela decisão difícil disseram, contudo, que foi tomada com base em fortes razões éticas.

O vírus do ébola é transmitido pelo contacto directo com os fluídos corporais de pessoas infectadas e contamina mais o pessoal médico e as pessoas que lidam com os doentes. As vítimas têm vómitos, diarreia, hemorragias internas e externas nos estádios finais da doença, deixando os seus corpos cobertos pelo vírus. Para tratar os doentes, os médicos têm de ter formação e roupa de protecção, duas coisas raras em África.

O surto foi detectado há mais de cinco meses no interior das florestas no Sudeste da Guiné-Conacri. Mas só a 8 de Agosto é que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a epidemia era uma emergência de saúde internacional, prometendo assim mais recursos. Ao dizimar o pessoal médico destes países, que já só tinham algumas centenas de médicos antes do surto, o ébola deixou milhões de pessoas vulneráveis à próxima crise de saúde.

“O doutor Khan conhecia os riscos melhor do que ninguém… mas quando se trabalha 18 horas por dia durante meses em instalações que estão superlotadas, qualquer um irá cometer um erro”, disse Robert Garry, professor de microbiologia e imunologia da Universidade de Tulane, em Nova Orleães, EUA, que trabalhou com o médico da Serra Leoa durante uma década. “A comunidade internacional tem de olhar para o que aconteceu e dizer que falhámos. Deveríamos ter reagido mais rápido a este surto.”

Atmosfera tensa

Para muitas pessoas da Serra Leoa, Sheik Humarr Khan era um salvador pelo trabalho pioneiro que fez com a febre de Lassa, uma doença endémica que nas florestas do Leste da Serra Leoa mata 5000 pessoas por ano. Quando o ébola apareceu, também se tornou a figura de proa da nova luta, e foi saudado pelo Presidente Ernest Bai Koroma, como “herói nacional”.


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